Acorda. Chão frio e pasta de dente. Espelho e pente fino. Camisa velha de deputado, calça desbotada e rasgada. O café da manhã. Amargo e forte. Ônibus, trânsito lento. Um cochilo antes do ponto. Um sorriso para o motorista, um pulo. Obrigado. Bom dia. Cimento, pau e ferro. Força, suor e assovios. Almoço às 12:00 em ponto. Marmita fria, sem gosto. Hora do cochilo. Segundo turno. Cimento, pau e ferro. Faísca no olho, poeira no pulmão. Um sorriso sem graça, gracinhas para a mulher que passa. Volta. Ônibus. Trânsito mais lento. As luzes no rosto, a propaganda na mente. O produto impossível. Bar, cachaça no fígado. Morro, casebre. O café da noite. Cama. Amanhã, clássico no Estádio. Tudo de novo. Nada novo. O mesmo de sempre. Sempre.
24.11.05
18.11.05
Maria
Ela é a Maria de sempre. Quando fala, mexe com as mãos, como se estivesse costurando no ar. Se fica triste, baixa os olhos e olha para o chão. Já na alegria, sorri jogando a cabeça para cima. Não perdeu a mania de coçar o nariz quando fica – raras as vezes – envergonhada. Seu sorriso ainda é encantador e seu olhar continua avassalador. O modo de andar não mudou em nada. Parece flutuar, desfilando graça e beleza por onde passa. Jogar os cabelos ao vento continua sendo, na minha opinião, o ápice da sua sensualidade. Os homens adoram. Eu adoro. Ela continua revolucionária: dedo em riste, voz altiva. Só não sei se ainda se exalta com as mesmas coisas, acho que não. Sua inteligência ficou intacta, mesmo depois de vinte longos anos. Respostas rápidas, argumentos fortes e, quase sempre, irrefutáveis. Maria ainda sabe o que quer da vida. Isso nunca foi problema pra ela. Conseguiu morar na França, livrou-se das armadilhas do amor e se tornou uma grande pintora. E por falar nisso, seu traço ainda é o mesmo de quando era jovem, a leveza continua lá, em cada pincelada sua. A Maria continua a mesma. Mas, se bem que com esses peitos siliconados, essa boca redesenhada, essa bunda aumentada... Não, não é a Maria mesmo! Nossa! Como o tempo deixou a Maria diferente!
7.11.05
Carta de Amor
“Eu prometo que ficarei ao seu lado. Prometo também que farei da sua vida uma caminhada mais leve, sem obstáculos, sem margens”. Fica então aqui o meu comprometimento e a minha desavença com a nossa relação, uma combinação perfeita do que era para ter sido, mas nunca foi. Eu bem que tentei, eu bem que fiz de cada momento um milésimo infinito. O fato é que não deu. Não foi possível passar um dia sem igual. Ainda me lembro do tempo em que éramos desconhecidos um para o outro, quando sorríamos sem graça, e o tempo não pesava em nossas costas. Depois chegaram a monotonia, as respostas evasivas e os beijos sem sentido. Parecia que o olhar, sempre traidor e cheio de segundas intenções, era fixo e descompromissado para todas as coisas lindas e irritantes que costumávamos fazer. E o quanto é difícil falar no pretérito. Conjugar bem o verbo amar no pretérito imperfeito é para poucos. Logo eu que sempre pensei que o tempo fosse tudo, vi as coisas passarem rápido. Muitas vezes, rápido demais! Hoje eu estou em casa e já não me lembro das suas manias. Pode até parecer ingrato da minha parte, mas se ainda quiser saber, não é tão ruim assim ouvir as suas músicas. Como também não é tão difícil assim dizer “eu te amo” nos dias de chateação. O engraçado é que nós marcamos lugar, data e hora, mas a verdade é que nunca nos encontramos: nossa vida foi um eterno e injusto desencontro. Você acredita que ainda me lembro quando o nosso espaço já não era mais sagrado? Foi assim que nos tornamos um, sem saber que estávamos, cada vez mais, sendo dois. Lutamos e vivemos juntos. Dormimos e brigamos juntos. Choramos e sonhamos separados. Porque não é fácil controlar impulsos, arrematar o egoísmo e matar de fome o orgulho. Ficamos sozinhos. Somos sozinhos. A vida agora me parece mais assustadora, pois já não tenho mão para segurar, nem soluços para dividir. Depois de todos esses anos, sinto falta de nós dois. Principalmente quando se tem muito a dizer, como agora. E não há ninguém para ouvir, como sempre.
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