8.6.14

Depois

Depois de tudo, o fim. Depois. Foi o tempo, foi-se o sorriso.

Não deu para seguir, não chegamos lá. E o que vem depois do fim? Somente mim? Só? Sozinho? E quando a noite voltar a me arrebatar?

Vai, que eu não sei aonde chegar. Disse vai, e você foi. Foi. Foi belo abrir os olhos e te ver. Foi bom fazer do teu amor o meu ser.

E segue. Segue e vai sem medo! Já vai tarde, não é cedo.

O tempo já fez seu progresso, já não volta e dê a volta: retorna. Teu ninho não é mais aqui, tua cama ficou maior. Quando se está só, todos os sonhos viram pó.  Sem pena, sem o mínimo dó.

E quando chegar o sol, lembre-se de mim. Tudo, agora, de uma vez, depois do fim.

29.11.11

Nossa Dama

Com as unhas ela tentou, como se fosse possível, agarrar-se ao chão frio e gelado da cozinha. Sentia que não seria mais capaz de suportar tamanha dor. A dor que dilacera, a dor que consome, a dor da perda.

Havia perdido de tudo, mas até então mantivera o amor próprio, o respeito próprio. E isso lhe doía mais, afinal, agora se sentia um nada. E o barulho seco do bater da ainda ecoa na cabeça da nossa dama. Ele se fora e junto foram também todos os sonhos pintados com cores fortes durante todos os anos.

Agora o rubor de sua face é esfriado pela gélida lágrima que escorre e toca o lábio ainda vermelho de batom. A lágrima pinga e segue calmamente pelo busto da dama. Arfante, belo e opulento – a prova de que ainda há vidam em meio a tudo aquilo.

Como se clamasse aos céus, nossa dama abre a boca e olha para o teto. Diz palavras inteligíveis, mas que, para ela, são capazes de negar o amor que um dia se orgulhou de ter. Negar o amor que lhe cegou, que lhe marcou. Mesmo amor que hoje a faz cair em pranto e sumir em meio à brancura da cozinha.

Olha para o celular e espera. Não toca, não vibra, não chama. Sem mensagem, sem voz. E assim adormece a nossa dama. Cansada de esperar, cansada de se dar, não vê a luz do sol nascer.

Entregue à solidão, nossa heroína faz dela a sua amiga nas horas vazias da noite. Tem a certeza de que não há mais digno da palavra fiel. E segue sua vida. Pelo menos é o que diz, pelo menos é no que finge acreditar a nossa dama, que um dia foi de ouros e hoje é de paus.

12.11.11

......

E quando você não sabe mais o que dizer? Não diga nada. Simples assim. O silêncio é sabedoria de poucos. Com ele se vai longe: acredite nisso. Um mundo cheio de palavras é como uma melancia cheia de caroços. O que, convenhamos, é completamente previsível. Já o não-dito, bom, esse está longe de ser o não-expressado. A voz mais alta está nas atitudes. Elas te denunciam, e, quando menos se espera, lá está você: completamente nu em frente à multidão. Seja onde for, as palavras têm e sempre terão sua força; mas são as atitudes que fazem o mundo girar. E mais é que o silencio é um dos manifestos mais fortes, talvez aquele que se diz como verdadeiramente genuíno. O fato é que as palavras estão ao alcance de todos, já o silêncio é para poucos. É para aqueles que fogem da linha da normalidade, que são únicos dentro de sua complexidade. E você? Em qual dos grupos se encaixa? No dos falantes ou no dos sábios? Se quiser saber, pergunte. Melhor: descubra.

30.10.11

A Menina

Era uma vez uma menina que tinha seus cinco aninhos. Apesar da pouca idade, já era capaz de levar alegria por aonde ia. Todos diziam que era uma bênção viver com aquela menina que com apenas um sorriso revelava uma faísca de paz e amor. Até que um dia a menina, tão linda com aqueles olhinhos verdes, cheios de ingenuidade, não acordou tão sorridente como sempre costumava fazer. Algo de errado havia acontecido, e ninguém conseguia explicar o porquê disso. Nem um sorriso, nem um beijo aos que a cercavam. E assim correu o dia. Já ao meio-dia, a sua beleza já não era mais tão radiante. A menina bem que tentou diversas vezes mudar o andar do dia. Sem sucesso, preferiu calar-se. E assim continuou o dia e nada parecia ser capaz de tirar aquele olhar rumo ao nada da menina. Todos estavam preocupados. Às seis da noite, ao entardecer de mais um dia, todos já sabiam que aquele dia não era como qualquer outro para a menina. Havia algo diferente e sólido – pesado mesmo – no ar. Aos poucos a escuridão foi entrando pela janela da casa, e todos já sentiam um vazio no peito. Era um misto de tristeza com o pressentimento de que algo muito sério estava por acontecer. Foi quando a mãezinha da menina lembrou-se de mostrar a boneca preferida dela: a mais velhinha, a mais simples, a mais amada. Saiu um sorriso de canto de boca e nada mais. A noite se colocou de vez e, com ela, veio uma lágrima que rolou despretensiosamente pelo rostinho angelical da menina. Com as mãozinhas pequenas e frágeis, ela enxugou a lágrima e olhou para todos que, naquele momento, faziam questão de estar ao seu lado. Sem dizer palavra, a menina levantou-se de sua cadeirinha e foi para o quarto. Deitou-se na cama e de lá pôde ver o céu escuro e cheio de estrelinhas. Todas pequenas e brilhantes, assim como ela um dia foi. Esperança olhou para aquela escuridão e fechou os olhos. Todos sabiam que Esperança, uma linda menina, tinha partido. Depois daquele dia, a vida perdeu o sentido para todos. E foi o começo do fim.

27.10.11

Nada

Sabe aquela necessidade de escrever? Ela existe, mas o que não existe mesmo é um tema, algo que façam valer estas palavras, muito menos o seu precioso tempo, amigo leitor. De qualquer forma, deito estes escritos sem um roteiro, até porque, convenhamos, a vida desconhece planos. E isso é uma verdade. Incontestável. Assim como não há dúvidas disso, a sinceridade aqui colocada é algo que, digamos, é o grande ponto deste escrito. Não podemos chamar de crônica, seria demais, quase uma heresia. Mesmo assim, segue a construção desse textículo, sem eira nem beira, em uma fluência que mais parece algo paranormal, sobrenatural. E ainda que não tenha nada a acrescentar a sua digna vivência, caro leitor, ouso a continuar escrevendo. Não me importo com o final, nem mesmo se você até aqui continua comigo. Posso entrar simplesmente em um monólogo, numa completa solidão – não me importo. São palavras jogadas ao vento, sem ter nem por quê. É como se assoprasse, por meio de um sussurro, um segredo ao infinito, uma contribuição ao nada. De nada valem essas letras, esses fonemas, esses pontos e vírgulas, meu caro leitor. É um mero desabafo, um dizer que não tenho nada a dizer, não sou e nem estou. Meus dedos correm pelo teclado, sambam com os símbolos, brincam com a metalinguagem. Se aqui podemos definir algo, seria a metalinguagem, apesar de fazer questão que assim você, amigo leitor, o faça para mim. Evito o desnecessário e, talvez por isso mesmo, que não me calo – até agora. Escrever é dizer e escrever, pensar e viver. Uma tentativa desesperada rumo à eternidade. Não que eu tenha essa pretensão, não teria tamanha presunção. Não me cabe aqui dizer o que é certo ou errado, me abstenho. E faço questão disso: não me sujo com pouco, não me aposto no nada. E do nada é feita essa vida, assim como esse inútil escrito. Num rascunho faço mais uma crônica, talvez a mais vazia de todas. Desprovida de sentido, desprovida de vergonha, como tudo nessa vida deve ser. Você ainda está aqui comigo, caro leitor?

5.9.11

Rosinha

“Aquele filho-da-puta vai me matar!” – foi a primeira coisa que ele falou quando se levantou. Não tinha mais dúvidas e queria que o desfecho fosse diferente. “Como poderia, depois de vinte anos de casamento, aquela safada me trair desse jeito!” – continuou com a indignação.


Não tivera nem tempo de escovar os dentes, já saiu de casa bufando de raiva, disposto a pôr um fim a tudo isso. E o pior é que ele mesmo se sentia como se estivesse em um conto de Nelson Rodrigues. Já lera muitas vezes essas histórias e tinha certeza de que com ele não seria diferente: o sangue sempre encontra o seu caminho certo para o desastre.


E assim seguiu Roberto para a praça que ficava em frente ao seu trabalho. Claro que não estava com cabeça para trabalhar. Muito pelo contrário. Aquele “emprego de merda” não seria capaz de atormentá-lo. Não permitiria tamanha falta de respeito aos belos vintes anos vividos ao lado de Rosinha. “É simplesmente uma questão de prioridade, e pronto.” – consolava-se.


O canalha e porra-louca do Genival sempre se vangloriava contando as peripécias sexuais que faziam de Don Juan um menino. O pior é que Roberto mal sabia que muito provavelmente uma das “meretrizes” a qual Genival descrevia com tanto tezão fosse a linda, e singela, e sua, Rosinha. “Não posso permitir uma coisa dessas.” – falava e repetia baixinho Roberto.


Tudo começara quando ele resolveu apresentar Rosinha a Genival na festa de final de ano da empresa. Sabia que não era uma boa ideia, mas o uísque fez o favor de lhe convencer do contrário. Foi naquele momento que notou um olhar diferente entre os dois. Mas tudo bem: até aí nada de novo. “Poderia ser coisa do meu ciúme” – dizia Roberto para si mesmo, em uma tentativa desesperada de seguir em frente, como se nada houvesse acontecido.


Depois foram as ligações estranhas que tocavam na casa do casal, sempre na mesma hora e em dias alternados. No início Roberto achou que fosse uma brincadeira qualquer, mas depois de muito pensar, chegou à conclusão de que poderia ser finalmente um indício de que Rosinha, sua amada e estimada esposinha, estivesse finalmente dando a entender que o casamento entre os dois chegara ao fim.


Roberto, na verdade, sempre foi desconfiado, isso era claro e não tinha como negar. Desde os tempos de namoro, vasculhava a bolsa de sua amada e, apesar de não encontrar nada “revelador”, pensava que tudo era uma questão de tempo; afinal, “as mulheres sabem trair melhor que os homens". Isso foi o que ouvira durante toda a sua adolescência e não tinha por que contradizer algo tão senso-comum como essa afirmação.


E assim Roberto viveu com a sua escolhida: entre o medo e a verdade, entre a certeza e a incredulidade. Sabia dos poderes de Genival, um safado cheio de galanteios e com grana suficiente para dar a qualquer mulher o que ela bem quisesse.


Diziam as más línguas que Genival conseguia essa dinheirama em transações com o tráfico, mas até aí nada havia sido provado. Sinceramente, Roberto pouco se importava com a proximidade ou não do amigo ao mundo do crime. Vale ressaltar que o próprio Genival nunca afirmou nada que o comprometesse com a bandidagem; mas, como gostava de criar polêmica, também não se dava o trabalho de negar os boatos. “Faz parte do meu show, Roberto!” – dizia com entusiasmo ao amigo de longa data. “Até porque as mulheres gostam de um misteriozinho. Isso é afrodisíaco, meu caro.” – sorria com o hálito podre de quem fumava mais de três carteiras de cigarro por dia.


É por tudo isso que o sacana do Genival tinha que ser o homem que usou a sua Rosinha, que acabou com a ingenuidade da menina, que perdera com ele a virgindade aos dezesseis aninhos.


A conclusão de Roberto foi a certeza de que Genival queria matá-lo. Se ele era um obstáculo para o “amor sacana” entre os dois, “é claro que sua morte seria uma ótima forma de limpar a imagem da Rosinha para a sociedade; até porque é muito comum a viúva se apaixonar pelo melhor amigo do falecido.” – pensava Roberto no banco da praça.


Pegou o celular e ligou para Genival. “Fala, cara! Estou aqui na praça em frente ao nosso trabalho e descobri tudo entre você e Rosinha. Desce aqui e vamos resolver logo isso.” – disse Roberto com o rosto enrubescido. Não demorou muito e Genival despontava entre as sombras da recepção da empresa. “Cara, vamos com calma! Não é isso, bicho! Posso provar.” – disse Genival com as pernas trêmulas.


Roberto não teve dúvida e atirou uma só vez no peito do Genival, que caiu e bateu com a cabeça na calçada. O sangue do peito ia se misturando ao da cabeça. Roberto estava congelado e não conseguia correr. A multidão já se formava e o que estava na mão do Genival, voou, sendo levado pelo ar, flutuando como a alma do "sacana". Era a foto sorridente de Rosinha, onde no verso podia-se ler a palavra “loucura”.

20.7.11

Kilobytes

Quem escreve as próximas palavras aqui não é Luiz Fernando Veríssimo, nem Arnaldo Jabor, muito menos o famoso “anônimo”. Ora vamos! Vivemos uma crise de identidade. Seja no mundo real ou no virtual.

Afinal de contas, qual o problema de assinar com o próprio nome as apresentações de PowerPoint? E no final de tudo, a gente não sabe mais quem é quem. O duro mesmo é ter mais de mil amigos no Facebook e tomar café da manhã com a solidão pela manhã.

Mesmo rodeado por amigos e seguidores, estamos sozinhos. Somos capazes de opinar sobre tudo e todos no Twitter e a sensação é de que estamos falando sozinhos. As palavras voam a cada tweet, e a vida passa a cada segundo.

O que quero dizer, meu amigo, meu caro, é que fingimos viver uma realidade que, na verdade, é virtual – falsa. Filosófico isso? Talvez. Triste? Com certeza. Então façamos o seguinte: vamos dar as mãos e mostrar ao mundo que o mouse vai aonde quer.

Troquemos nosso coração pelo processador e vamos assumir que o nosso sangue agora é formado por kilobytes. Mas não se preocupe: qualquer coisa é só dar Control+Z e aí tudo bem.

Sou Bruno Guerra. Talvez você não me conheça, mas sei que tudo aqui tem a ver com você. Tem a ver com tudo. Ou com nada. #FATO