23.2.06

Papo Cabeça

- Cara, sei não, ó?
- Nem eu, bicho. Parece que agora não sei.... Enrolou de vez.
- Falô e disse, brou. Tá preto o bagulho, tá ligado?
- Tô.
- Mas beleza. A marmota deve tá nas últimas.
- Podes crê.
- Só...
- Só...
- Ei, chapa, e a mina?
- Na merma, mermão. Gata de responsa...
- Ô, e como.
- Vamo vê no que vai dá. Tamo só na curtição.
- Tô sacando...
- Sei não, mermão, mas parece que agora rola legal.
- Caraca! Show mesmo. Vê se fica na boa, pexe.
- Tá noiado porquê, rapá? Sai dessa, mano! Cê tá falando com “o cara”, sacou?
- Então tá beleza, brou.
- Só...
- Só...
- Ei, e aquele lance irado?
- Esquece. Já era...
- Beleza, chapa. Fui!
- Só...
- Só...

14.2.06

Notas de Sarajevo

As notas deslizam pelas teclas e dançam animadamente pelo piano, parecem brincar com os meus dedos nervosos. Já não estão mais separadas. A harmonia delas me contagia. Toco sem virtuosismos, porque não quero chamar atenção. Afinal de contas, a música é só minha. Minha forma de expressar com ressonância o meu protesto. Em minha mente as notas caem como pingos d’água em um lago profundo e obscuro. Desse jeito eu consigo me perder no espaço delimitado e cúbico em que me encontro. Já perdi a noção do tempo. Afinal, “tempo” é apenas um detalhe que eu insisto em esquecer, mas já a memória... Essa eu resisto até o fim, pois vejo que em tempos como este, de sobressaltos e soluços, tantas músicas são esquecidas, tantos versos apagados... Sou um produto da sensibilidade que a música me deu. Tenho um ouvido sensível que, quase sempre, consegue perceber razões sem nexo, ideologias sem fundamento. É nessa hora que perco a censura, e a música, antes baixa e discreta, ressoa por todo o quarto fazendo as teias de aranha balançarem e o chão vibrar. Soa como um grito de socorro. Recuso-me a desaparecer na poeira que sobe dos dias agitados! Prometo, Sofia, que vou continuar esperando pelos dias musicais que você uma vez ousou sonhar! O dia em que conseguiremos juntar as notas dissonantes e cantar, num canto uníssono, a harmonia que só a paz pode ter. Por enquanto, simplesmente toco. Ainda que já não ouça mais a melodia que sai do meu piano. Lá fora, as bombas ecoam fundo pelo ar.