29.8.05

Menos e Mais

Ela já era uma moça. Linda, cheia de carisma e histórias pra contar. Ele parecia um rapaz. Sem graça, sem pêlo, sem juízo. Ela era a alegria da família, o amorzinho do papai, a fofura da mamãe. Ele era o rebelde sem causa, o tormento do pai, a dor de cabeça da mãe. Ela foi primeira da classe, vencedora de concurso, poeta por natureza. Ele passou raspando, venceu brigas, lutador por necessidade. Ela tinha dinheiro, viajava de lá pra cá. Ele apostava com os amigos, conhecia todos os cantos do Rio. Ela era única. Ele, só ele. Ela vivia com os pais. Ele vivia no gueto. Ela tinha futuro. Ele era sem futuro. Ela nunca fez nada. Ele sempre fez tudo. Ela era a menina. Ele era o pivete. Ela já foi. Ele já era. Eles eram amantes. Porque ela era mais, ele era menos. E você sabe: os opostos se atraem.

24.8.05

Três

- Três, por favor.
- Cinco.
Acho que conheço essa mulher de algum lugar. Mas qual?
- Tá calor hoje, hein?
- É...
Será que foi daquela festa de fim de ano? Acho que não... Ela parece muito cabeça pra uma festa como aquelas. Também, quem andaria com um livro do Feuierbach a tiracolo? Ela deve ser inteligente. Muito inteligente. Não tem cara de fazer pose com livros e depois se trancar no banheiro para ler gibis. Estranho, muito estranho... e esse perfume... Deve ser daqueles caros, o triplo do meu salário. Parece uma mulher de negócios, cheia de compromissos e homens aos seus pés. Não deve ser nada fácil namorar com ela. Eu pelo menos não tenho paciência pra isso. É... definitivamente, não tenho mesmo. É muita coisa para um carinha como eu. Aliás, eu acho que sou muito velho pra ela. Ou não, né? Tem mulheres que gostam de caras mais velhos, que passam segurança no que diz. Se pelo menos eu tivesse um emprego legal... Ah se o Vagner tivesse me dado aquela promoção... Acho que agora tudo seria diferente. Essa mulher poderia estar me dando bola, doidinha por mim. Mas espera aí! Eu sou um homem ou um rato? Vamos lá, Roberto! Você consegue! Pergunta, vai!
- É... Você trabalha aqui mesmo?
- Com licença, senhor, que eu vou descer nesse andar.
- Ah! Sim. Claro...
Droga! Lá vai a mulher da minha vida. Tão linda, tão inteligente... Bom, ela deve ser chata. Bem chata. Eu nem gosto de Feuierbach mesmo... Foi melhor assim. Eu acho... Mas e a Lurdinha? Será que ela tem alguma coisa para essa noite?

11.8.05

Ela

Fazia anos que ele esperava por Ela. Na verdade essa espera começou desde que ele fora visitar uma amiga, quando tinha 14 anos. Sua amiga era jovem, disposta e, como um relâmpago, foi embora. Sem nem mesmo dizer adeus. Ele cresceu ansioso e muitas vezes perdia noites pensando nela, somente nela. Tinha medo, pois não sabia como era seu rosto, muito menos o que ele diria quando o tão esperado encontro acontecesse. É bem verdade que nos momentos de alegria intensa ele não se lembrava dela. Mas bastava um deslize, um acontecimento desagradável – por menor que fosse –, lá estava Ela, em seus pensamentos, muitas vezes se apresentando como uma salvação, uma saída para um túnel que teimava em ser escuro, cada vez mais escuro. Ele se casou, teve filhos, dos mais belos e mais espertos. Foi também avô, cidadão honorário, diretor, presidente e, por fim, aposentado. Algumas vezes ela se apagava de sua mente, era exatamente nessas horas em que ele se achava forte, disposto a vencer os obstáculos da vida. Mas o desânimo foi crescendo à medida que crescia o grau das lentes de seus óculos. Sentia-se fraco, triste e cansado. No dia 14 de novembro deste ano, Ela bateu a sua porta. Ele nada fez. Já esperava por aquela visita. Olhou fundo nos olhos dela, agora mais vivos do que nunca. Foi embora. Sem nem mesmo dizer adeus.

1.8.05

Homenagem à Segunda-Feira

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