Esta é uma foto que eu sempre quis comentar. Para tanto, já que desde criança não consegui usar a pior arma do ser humano, que é a indiferença, sou sincero em dizer que não me responsabilizo pelo o que será escrito a partir daqui. Mas não me importa. Eu conheço bem uma arma tão fatal quanto as bombas americanas: a ironia. O sarcasmo. Olhe fixamente, caro leitor, para o rosto desta menina. Que lindo, não? Seu choro expressa um clímax que poucas pessoas no mundo – tenho certeza disso – puderam um dia alcançar. Não podemos ver as lágrimas, mas sabemos que elas estão lá, escorrendo pelo rosto cheio de emoção e de dor. É uma beleza sem precedentes, porque prova o que o homem é capaz de sentir e, principalmente, fazer. Deixa claro, então, que não há mais limites para nós. A insanidade tem essa virtude: ela é livre. Olhemos mais uma vez para a foto e, agora, preste atenção aos pés da menina. Estão descalços e parecem flutuar. São pés de menina-moça, capazes de fazê-la correr numa sublime agonia rumo a nenhum lugar. E a barriga dela, leitor? Veja só que maravilha! É fruto de uma magreza única, de um sofrimento que não se pode mais esconder. Como uma mentira, que de tão grande não se consegue mais sustentar. E o corpo? Totalmente desnudo, de uma leveza que somente o sofrimento pode dar. Note agora que os braços estão entreabertos, criando uma visão perfeita e verdadeira do desolamento humano, que nem Edvard Munch conseguiria expressar. Essa foto é capaz de deixar até mesmo o mestre Da Vinci para trás. Afinal, para quê pintar telas de anjos que expressam a alma humana, bem de acordo com os preceitos da “divindade” (note as aspas) ariana? Depois dela, para mim nenhum artista poderá, jamais, retratar a dor de maneira tão bela, tão perfeita, num caso raro de misto de realidade com insanidade. Ela é momento, um raro momento. Talvez seja o resultado de um segundo, ou até mesmo um milésimo de segundo, de um intervalo entre o fogo e a explosão de sentimentos, que essa menina tão divinamente conseguiu retratar. Não sei mais o que dizer, nem mesmo pensar, caro leitor. Serei sincero com você. Paro esses escritos por aqui, pois me sinto completamente desarmado. Nem mesmo a ironia me foi útil, confesso. Afinal, de que valem as palavras se elas de nada me servem agora? Não há nada mais para ser dito. Fico mudo,
A foto – Até hoje é lembrada como uma das mais terríveis imagens da Guerra do Vietnã, tirada em 8 de junho de 1972, pelo fotógrafo Nick Ut.
A menina – Seu nome é Kim Phuc, teve metade do seu corpo queimado e passou por 17 cirurgias. Atualmente é Embaixatriz da Boa Vontade da UNESCO.
"Todas as pessoas deveriam ver essa foto, mesmo hoje, porque mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. Você pode ver o terror no meu rosto. Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem."
Kim Phuc, em entrevista para a BBC World Service.