21.9.06

A Foto



Esta é uma foto que eu sempre quis comentar. Para tanto, já que desde criança não consegui usar a pior arma do ser humano, que é a indiferença, sou sincero em dizer que não me responsabilizo pelo o que será escrito a partir daqui. Mas não me importa. Eu conheço bem uma arma tão fatal quanto as bombas americanas: a ironia. O sarcasmo. Olhe fixamente, caro leitor, para o rosto desta menina. Que lindo, não? Seu choro expressa um clímax que poucas pessoas no mundo – tenho certeza disso – puderam um dia alcançar. Não podemos ver as lágrimas, mas sabemos que elas estão lá, escorrendo pelo rosto cheio de emoção e de dor. É uma beleza sem precedentes, porque prova o que o homem é capaz de sentir e, principalmente, fazer. Deixa claro, então, que não há mais limites para nós. A insanidade tem essa virtude: ela é livre. Olhemos mais uma vez para a foto e, agora, preste atenção aos pés da menina. Estão descalços e parecem flutuar. São pés de menina-moça, capazes de fazê-la correr numa sublime agonia rumo a nenhum lugar. E a barriga dela, leitor? Veja só que maravilha! É fruto de uma magreza única, de um sofrimento que não se pode mais esconder. Como uma mentira, que de tão grande não se consegue mais sustentar. E o corpo? Totalmente desnudo, de uma leveza que somente o sofrimento pode dar. Note agora que os braços estão entreabertos, criando uma visão perfeita e verdadeira do desolamento humano, que nem Edvard Munch conseguiria expressar. Essa foto é capaz de deixar até mesmo o mestre Da Vinci para trás. Afinal, para quê pintar telas de anjos que expressam a alma humana, bem de acordo com os preceitos da “divindade” (note as aspas) ariana? Depois dela, para mim nenhum artista poderá, jamais, retratar a dor de maneira tão bela, tão perfeita, num caso raro de misto de realidade com insanidade. Ela é momento, um raro momento. Talvez seja o resultado de um segundo, ou até mesmo um milésimo de segundo, de um intervalo entre o fogo e a explosão de sentimentos, que essa menina tão divinamente conseguiu retratar. Não sei mais o que dizer, nem mesmo pensar, caro leitor. Serei sincero com você. Paro esses escritos por aqui, pois me sinto completamente desarmado. Nem mesmo a ironia me foi útil, confesso. Afinal, de que valem as palavras se elas de nada me servem agora? Não há nada mais para ser dito. Fico mudo, em silêncio. Sem palavras.

A foto – Até hoje é lembrada como uma das mais terríveis imagens da Guerra do Vietnã, tirada em 8 de junho de 1972, pelo fotógrafo Nick Ut.

A menina – Seu nome é Kim Phuc, teve metade do seu corpo queimado e passou por 17 cirurgias. Atualmente é Embaixatriz da Boa Vontade da UNESCO.

"Todas as pessoas deveriam ver essa foto, mesmo hoje, porque mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. Você pode ver o terror no meu rosto. Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem."
Kim Phuc, em entrevista para a BBC World Service.

3 comentários:

  1. Anônimo12:44 AM

    Realmente um impacto para qualquer um ver uma foto dessa, ainda mais com todo o contexto por trás dela, chega a me dar arrepios saber como o homem consegue destruir a se próprio.
    Nick Ut está de parabéns por ter estado nesse momento tão ímpar na vida do povo vietnamita e nós nossos também.

    Bruno você também esta de parabéns por continuar com teus escritos, espero que esse escritos vire livro. Torço por você.

    Abraço

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  2. Anônimo5:04 PM

    O mais sincero e sensível de seus textos.
    Te amo

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  3. Anônimo1:04 PM

    Nossa, o que comentar diante de um escrito tão emocionante como esse, lembro a 1a vez que vi essa foto, foi numa aula de história, ela me causou um impacto que não consigo descrever até hj, confesso que naquele momento descubri o que o homem é capaz de fazer e senti MEDO, e vergonha por ser também um ser humano.
    Bom até alguns minutos atrás eu não conseguiria descrever essa foto,mas agora faço de minhas emoções as suas! Buninha

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