23.12.08

Crônica do Adeus

A batida da porta do carro foi seca. Seca mesmo já era a palavra. “Chorei tudo que tinha para chorar”, ela disse num tom sem vida. “Não tenho mais o que chorar”, respondeu ele (como de costume) sem olhar. E assim se foram alguns longos anos de companheirismo, cheios de sonhos e desejos. O caminho de casa continua o mesmo, os buracos também são os mesmos, assim como a areia que faz derrapar e pega de surpresa. “Quem diria? Quem eu seria?”, o rapaz perguntava ao ar. Silêncio. Silêncio e nada mais. Nada mais. Ninguém irá entender o valor do adeus. Até porque, para o adeus, não há o que se entender, mas sim aceitar. Resignar. Foi-se o tempo da delicadeza. Foi-se num segundo tudo o que levou anos para ser descoberto. Construído e agora cruelmente destruído. “Drão, não pense na separação. Os erros são todos meus”, martela a música na cabeça dolorida e tensa dele. “Nosso amor tem que morrer pra germinar”, ela deve pensar. Não se sabe. Mas porque saber? São tantas as perguntas, um sentimento de dúvida misturado com dúvida, que deixa um gosto amargo na boca e no coração. “Não conseguimos”, agora ele pensa. “Somos frutos dos nossos destinos, entramos em diferentes caminhos”. E esse silêncio que não quer calar. Esse silêncio que chega a ensurdecer, que fala mais alto do que a vontade de mudar. Só o que resta entre os dois agora é o tempo: um velho amigo dos solitários e o grande vilão dos apaixonados. Na rua é Natal. E as luzes insistem em continuar a brilhar.

12.10.08

Contato

Olho no olho. Ele nota e logo faz cara de “estou aqui. Que tal?”. Ela cruza as pernas que mal cabem na mini-saia. Ele olha, olha... e aí olha pro teto. Depois dá uma tossida fraca, acompanhada por um pigarro. Presença marcada. Agora ela cruza as mãos, mostrando todos os anéis e as unhas bem feitas. Rosas. Femininas. Ele olha e dá um leve suspiro. Contato. O tempo passa. Ela olha para fora do saguão e pega o celular. Fala rápido, dá um tchau meio sem graça, meio sem ter nem porquê. Não se esquece de falar a palavra irmão. Chega a vez de ele cruzar as pernas. Agora, elas apontam para ela. Bom sinal. Contato. Sinais. Um terceiro corre e passa pela frente dos dois, que aproveitam e se olham mais uma vez. Olho no olho. Contato. Mas não basta só olhar, ele dá um sorriso de canto de boca. Ela devolve com um sorriso meio sem graça. Contato. Ele segue em frente e olha atentamente para os lábios dela. Ela nota, mas finge que não percebe. Desejo. Contato. Imediatamente abre a bolsa e tira uma bolsinha. Maquiagem. Passa o batom lentamente. Olha no espelho e pelo reflexo olha mais uma vez para ele. Uma piscadela rápida. Contato. Ele olha atentamente. Não iria deixar passar batido esse momento, é claro. Mais um sorriso. Dessa vez ela mostra os dentes brancos, emoldurados pelo batom vermelho. Desejo. Duas vezes desejo. Mais uma vez: contato. Ele levanta os braços e, meio que abraçando o ar, muda de posição na cadeira. Cotovelo com cotovelo. Contato. Arriscado, ele sabe, mas é assim mesmo. Até porque o tempo continua passando. Quer arriscar mais: prepara discurso na cabeça. Tem de ser sedutor sem, ao mesmo tempo, parecer meloso. Tem de ser inédito. Tem de ser criativo, digamos assim. Toma coragem, toma fôlego. Vai falar. “Senhores passageiros, última chamada para Santarém. Portão H.”. Ele olha pra ela como quem diz aliviado: “Não vou pra Santarém”. Ela pega as malas e se levanta rápido. Ele apenas acompanha. Olho no olho. Contato. Último contato.

29.6.08

P.S.C

Isso aqui é pra hoje. Hoje. Não tá entendendo? Bom, vamos lá... Eu quero isso nas minhas mãos ainda hoje, certo? Como assim não é possível? Não quero saber de prazo, meu amigo. Isso tem que ser feito e ponto! Acabou! Não, nada de “mas”. Chega de “mas”. Olha não tenho nada a ver com a sua vida. Se sua mãe está doente, isso é um problema seu. Aliás, o seu problema é seu. Entendeu? Escuta, você sabe o que significa a palavra “urgente”? Pois não parece! Muito me admira... Logo você... Eu sei, rapaz, mas o que é que eu estou lhe dizendo? Não tem essa de “prazo viável”. Meu dead line com você é hoje. Hoje, não! Agora! Tá bom, tá bom... Então daqui a cinco minutos e não se fala mais nisso, ok? Como assim “é pouco”? Deus criou o mundo em sete dias e você não pode criar isso em dois minutos? Já disse! Quero isso o quanto antes. Vou repetir: o quanto antes, hoje, agora! Rapaz, isso é urgente. Quer saber mais o quê? Pronto, agora você quer que eu lhe diga todos os passos. Assim eu mesmo faria! Sim... Sim... Sei... Sei... Isso... Certo... Beleza... Show de bola... Entendo, meu querido. Mas é você quem não está me entendendo: isso é pra agora! A-go-ra! É simples! Você pega a pesquisa... Olha só. Lá vai eu explicar de novo como você deve fazer. Não vou fazer isso não. Afinal de contas, eu estou aqui é pra lhe ensinar. É ou não é? Pois então? Não sei... Não sei... Quem deve me dizer isso é você. Como assim três dias? Três minutos e não se fala mais nisso! Olha só o tempo que você está perdendo aqui, rapaz! Já dava pra ter feito! Tenho uma reunião daqui a cinco minutos. Pensando bem... Seria ótimo já levar isso pronto, não é mesmo? Vamos lá... Haja paciência! Recapitulando: isso é para agora. Ou melhor, isso aqui é para ontem!