5.9.11

Rosinha

“Aquele filho-da-puta vai me matar!” – foi a primeira coisa que ele falou quando se levantou. Não tinha mais dúvidas e queria que o desfecho fosse diferente. “Como poderia, depois de vinte anos de casamento, aquela safada me trair desse jeito!” – continuou com a indignação.


Não tivera nem tempo de escovar os dentes, já saiu de casa bufando de raiva, disposto a pôr um fim a tudo isso. E o pior é que ele mesmo se sentia como se estivesse em um conto de Nelson Rodrigues. Já lera muitas vezes essas histórias e tinha certeza de que com ele não seria diferente: o sangue sempre encontra o seu caminho certo para o desastre.


E assim seguiu Roberto para a praça que ficava em frente ao seu trabalho. Claro que não estava com cabeça para trabalhar. Muito pelo contrário. Aquele “emprego de merda” não seria capaz de atormentá-lo. Não permitiria tamanha falta de respeito aos belos vintes anos vividos ao lado de Rosinha. “É simplesmente uma questão de prioridade, e pronto.” – consolava-se.


O canalha e porra-louca do Genival sempre se vangloriava contando as peripécias sexuais que faziam de Don Juan um menino. O pior é que Roberto mal sabia que muito provavelmente uma das “meretrizes” a qual Genival descrevia com tanto tezão fosse a linda, e singela, e sua, Rosinha. “Não posso permitir uma coisa dessas.” – falava e repetia baixinho Roberto.


Tudo começara quando ele resolveu apresentar Rosinha a Genival na festa de final de ano da empresa. Sabia que não era uma boa ideia, mas o uísque fez o favor de lhe convencer do contrário. Foi naquele momento que notou um olhar diferente entre os dois. Mas tudo bem: até aí nada de novo. “Poderia ser coisa do meu ciúme” – dizia Roberto para si mesmo, em uma tentativa desesperada de seguir em frente, como se nada houvesse acontecido.


Depois foram as ligações estranhas que tocavam na casa do casal, sempre na mesma hora e em dias alternados. No início Roberto achou que fosse uma brincadeira qualquer, mas depois de muito pensar, chegou à conclusão de que poderia ser finalmente um indício de que Rosinha, sua amada e estimada esposinha, estivesse finalmente dando a entender que o casamento entre os dois chegara ao fim.


Roberto, na verdade, sempre foi desconfiado, isso era claro e não tinha como negar. Desde os tempos de namoro, vasculhava a bolsa de sua amada e, apesar de não encontrar nada “revelador”, pensava que tudo era uma questão de tempo; afinal, “as mulheres sabem trair melhor que os homens". Isso foi o que ouvira durante toda a sua adolescência e não tinha por que contradizer algo tão senso-comum como essa afirmação.


E assim Roberto viveu com a sua escolhida: entre o medo e a verdade, entre a certeza e a incredulidade. Sabia dos poderes de Genival, um safado cheio de galanteios e com grana suficiente para dar a qualquer mulher o que ela bem quisesse.


Diziam as más línguas que Genival conseguia essa dinheirama em transações com o tráfico, mas até aí nada havia sido provado. Sinceramente, Roberto pouco se importava com a proximidade ou não do amigo ao mundo do crime. Vale ressaltar que o próprio Genival nunca afirmou nada que o comprometesse com a bandidagem; mas, como gostava de criar polêmica, também não se dava o trabalho de negar os boatos. “Faz parte do meu show, Roberto!” – dizia com entusiasmo ao amigo de longa data. “Até porque as mulheres gostam de um misteriozinho. Isso é afrodisíaco, meu caro.” – sorria com o hálito podre de quem fumava mais de três carteiras de cigarro por dia.


É por tudo isso que o sacana do Genival tinha que ser o homem que usou a sua Rosinha, que acabou com a ingenuidade da menina, que perdera com ele a virgindade aos dezesseis aninhos.


A conclusão de Roberto foi a certeza de que Genival queria matá-lo. Se ele era um obstáculo para o “amor sacana” entre os dois, “é claro que sua morte seria uma ótima forma de limpar a imagem da Rosinha para a sociedade; até porque é muito comum a viúva se apaixonar pelo melhor amigo do falecido.” – pensava Roberto no banco da praça.


Pegou o celular e ligou para Genival. “Fala, cara! Estou aqui na praça em frente ao nosso trabalho e descobri tudo entre você e Rosinha. Desce aqui e vamos resolver logo isso.” – disse Roberto com o rosto enrubescido. Não demorou muito e Genival despontava entre as sombras da recepção da empresa. “Cara, vamos com calma! Não é isso, bicho! Posso provar.” – disse Genival com as pernas trêmulas.


Roberto não teve dúvida e atirou uma só vez no peito do Genival, que caiu e bateu com a cabeça na calçada. O sangue do peito ia se misturando ao da cabeça. Roberto estava congelado e não conseguia correr. A multidão já se formava e o que estava na mão do Genival, voou, sendo levado pelo ar, flutuando como a alma do "sacana". Era a foto sorridente de Rosinha, onde no verso podia-se ler a palavra “loucura”.

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